Descobrir o sol


Algumas coisas definitivamente me quebraram ao longo do último ano.
Eu não me arrependo de nada que vivi. Claro que hoje, mais maduro e mais forte, devido as diversas quedas, consigo ter os olhos treinados sob outra perspectiva. Hoje consigo reconhecer o quão sortudo (protegido, abençoado, ou seja lá o que for) fui, por ter sempre conseguido voltar pra casa bem. São novos dias, outra rotina, outro Marcos. Mas eu preciso contar um pouco do que me fez olhar para trás.

Era dezembro, eu estava mais uma vez no Monrealle Classic. Iria passar um final de semana, dessa vez acompanhando o meu até então Lord Dourado. Naquele tempo eu estava morando no centro da cidade, então levei mais ou menos 10 minutos até chegar ao hotel, devido aos semáforos que hora ficavam verdes, hora vermelhos. Atravessei a Glicério sentindo o calor que tomava conta da cidade já às 11h da manhã. Aguardei alguns minutos no Largo do Pará, aproveitando para fumar alguns cigarros; eu já sabia que estava cansado, sem ainda me dar conta exatamente do quê.

Apesar disso, levantei-me e atravessei a rua, rumo ao hotel. Na recepção, encontrei o Dourado, já finalizando o seu check e então fiz o meu. Nunca quis que alguém soubesse o meu endereço; sempre pensei que se algum dia eu quisesse sumir, eu precisaria ter um lugar onde não fosse possível me encontrar. Nós já estávamos acostumados com o Monrealle sendo necessário somente um documento com foto para checkin, mas em outro dia, no nosso primeiro contato quando fizemos o cadastro, eu tive que fingir me esquecer do meu CEP, pedindo então ao dourado "posso usar o seu? não me lembro do lá de casa...", que muito gentilmente pronunciou os números do código postal da Rua das Flores; meu endereço estava protegido. Agora, feito tudo, começamos com a nossa rotina normal e gostosa de sempre. Boquetes, punhetas, pau com pau, entra-e-sai, boas refeições, sono pela tarde, mais sexo, banho, passeio pela noite com direito a drinks etc.

Eis que, no meio daquela tarde de sexta-feira, antes dos drinks pela noite, algo aconteceu. Fomos até a Nico Paneteria para degustarmos o maravilhoso risolis de catupiry. Pedimos dois sucos de laranja, sem açúcar e com gelo. Eu já estava bastante acostumado com a padaria, os doces na vitrine, as bebidas mais caras que o normal, os cigarros que quase diariamente eu comprava no balcão... e o vidro que separava as mesas da calçada, dando total visibilidade de fora e de dentro. Comemos os salgados e, num instante contrário ao acaso, o Dourado precisou ir ao banheiro. Naquele mesmo momento, quando vi suas costas atravessar a porta no final do corredor e me voltei para o vidro, meu namorado passou na calçada - nossos olhos se encontraram por alguns segundos, talvez menos segundos do que de fato havia demorado... é que naquela hora, tudo parou.

Então me levantei rápido e fui de encontro a ele no balcão. Nos abraçamos, ele sabia que eu estaria com outro alguém e apesar de tentar entender, nós dois sabíamos o quão dolorido tudo havia sido até ali. Ele comprou cigarros e eu voltei para a mesa, torcendo para que eles não se vissem, como se uma espécie de energia reveladora estivesse no ambiente. Percebi que ele mexia no celular com bastante incomodo enquanto aguardava na fila do caixa e torci para que o mesmo "acaso" continuasse separando meus dois namorados, dos meus dois mundos. Então ele foi embora, deixando meu coração disparado e me dando um náusea que me fez recusar outro salgado quando o Dourado voltou.

Naquela noite, tomei todo o álcool que meu corpo pôde absorver e chegamos mais cedo que o habitual. Deitamos e dormimos pesado, o que não me impediu de ter vários pesadelos. Acordei péssimo, com uma impressão horrível, um sexto sentido. Descemos para o café e falei ao Dourado que precisaria passar urgente em casa, pois minha mãe estava precisando do cartão do supermercado. Saí rápido sob o sol das 09h e quase num transe, fui até o apartamento. Subi pelo elevador rezando para estar errado, abri a porta, uma mochila diferente na sala; abri a mochila, várias calcinhas, gel amortecedor e brinquedinhos. Caralho... eu não tava errado! Respirei fundo, sentindo meu coração socar meu peito. Abri a porta do corredor e fui até o quarto. Na cama, meu namorado; no meu lugar, outro homem. Voltei para o elevador, desci até a portaria e briguei com o porteiro para ver o nome no livro de visitantes. No Facebook encontrei quem era. Na calçada, chorei, tentando ser forte, tentando conter.

Acendi alguns cigarros no meio das lágrimas que iam e vinham e com um buraco imenso dentro de mim, levantei e andando voltei ao hotel. Tentei manter a calma, transparecer tranquilidade, mas eu estava à carne viva, sangrando. Naquela tarde, chorei no quarto e de noite, embriagado, derrubei a taça depois da segunda garrafa de vinho - eu tremia e me faltava ar, e nem mesmo as pílulas de Valeriana estavam me ajudando. No outro dia, convenci o Dourado a voltarmos antes do tempo programado, eu precisava ficar sozinho.

Foi nesse dia que me dei conta do quão exausto eu estava e de que talvez eu só quisesse uma vida comum de novo. Eu não estava mais feliz e outros sonhos surgiram. Foi como descobrir o sol...





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